sexta-feira, 4 de março de 2011

A Ponte

Eu acredito nessa pena branca que voa entre os teus dedos.
Porque é teu o poder que me transfoma em tudo que eu nunca vi.
Eu voo distante nestes teus braços longos.
E me envolvo nessa energia que me conduz...
Sou só tua ponte.
Deixa-me ser apenas isso.
A mim basta que seja o fio que liga-te aos outros pequeninos como eu.

Nasci madura daquilo que nunca conheci,
Daquilo que tu um dia me disse: Toma, é só teu.
Amo-te sem nunca ter te visto.
Amo-te porque além da minha crença tu me deste o privilégio de navegar por muitos rios.
Amo-te pelo propósito que me incumbiste.

Eu quero continuar sendo a ponte.
A ponte que um dia tu me mostraste.
Eu quero poder ajudar os outros pequeninos também.
Aqueles todos que foram esquecidos.
Aqueles que um dia tu me mostraste.

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu riso.

Não me tires a rosa,
a lança que desfolhas,
a água que de súbito
brota da tua alegria,
a repentina onda
de prata que em ti nasce.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sobe ao céu a procurar-me
e abre-me todas
as portas da vida.

Meu amor, nos momentos
mais escuros solta
o teu riso e se de súbito
vires que o meu sangue mancha
as pedras da rua,
ri, porque o teu riso
será para as minhas mãos
como uma espada fresca.

À beira do mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma,
e na primavera , amor,
quero teu riso como
a flor que esperava,
a flor azul, a rosa
da minha pátria sonora.

Ri-te da noite,
do dia, da lua,
ri-te das ruas
tortas da ilha,
ri-te deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos vão,
quando voltam meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

(Pablo Neruda)