sexta-feira, 9 de julho de 2010

Loucura (?) e alguns rastros de Poesia (!)






No mês de junho eu e alguns amigos, em busca de material para a aprensentação de um trabalho, fomos ao Rio de Janeiro conhecer o Museu Imagens do Inconsciente, fundado pela Drª Nise da Silveira. Um grande projeto que marcou o a história da saúde mental no Brasil, fazendo uma releitura das práticas manicomiais até então instituídas.
Nise foi a única mulher a se formar na Faculdade de Medicina da Bahia em 1926. Especializou-se em psiquiatria e prestou concurso para a área. Durante o governo de Getúlio Vargas foi denunciada por possuir obras marxistas, no entanto apenas apreciava a ideologia e nunca teve nenhum envolvimento com o movimento de Prestes. Foi no presídio que conheceu Graciliano Ramos e a partir desta experiência tornou-se uma das personagens de seu livro, "Mémorias do Cárcere". Na volta ao serviço público no Centro Psiquiátrico Nacional inciou sua revolução. Ao criticar as práticas da psiquiatria clássica como eletrochoques, choques de insulina e utilização indiscriminada de medicação, Nise foi deslocada para um setor ignorado pelos médicos, onde os pacientes realizavam serviços de limpeza (mais para o lucro do hospital do que para fins terapêuticos). Ali ela desenvolveu projetos de terapia através da pintura, escultura entre outras coisas. Inaugurou, desta forma, o Setor de Terapia Ocupacional. E foi a partir da reunião de todas as obras feitas no setor que Nise fundou o museu.
Um novo olhar sobre a loucura estava sendo construído. A concepção de que a esquizofrenia ultrapassa todas as barreiras taxativas da loucura como um fator identitário, limitado de qualquer potencialidade que não pertença ao seu âmbito. Através das obras feitas nos ateliês segundo Jung (terórico de Nise) as mãos podiam dizer aquilo que se passava no inconsciente, e que muitas vezes não conseguiam expressar em palavras.
A experiência foi maravilhosa para mim. Principalmente porque desconstrui a visão de que o louco é um sujeito excêntrico e confuso, que possui atitudes peculiares. Junto a área do Museu Nise fundou o hopital psiquiátrico Casa das Palmeiras. Local que tem características diferentes dos outros hospitais: as portas e janelas são abertas, não há enfermeiros, a frenquência diária é de pelo menos cinco horas, os terapêutas não usam jalecos e assumem uma postura de estar sempre ao lado dos chamados "clientes" fazendo também as atividades. Tivemos contato com alguns deles na área de recreação. No primeiro instante não soube julgar quem eram terapêutas e clientes, todos nos recepcionaram muito bem e pareciam animados com nossa chegada. Vimos obras maravilhosas, desenhos ricos em detalhes, esculturas belíssimas e outras coisas.
É claro que não poderia deixar de comentar sobre o fato mais importante pra mim dentre todos os que vi. Um dos internos escreveu uma poesia e nos deu de presente. Tenho que confessar que me emocionei. Transcreverei para vocês:
"A loucura da imaginação; Um conflito do real; Se uma história é contada com inoscência; Com os argumentos da verdade; Quando você acredita em uma versão de que não conhece a realidade, como por exemplo; A mentira não passa a ser verdade quando você acredita; Assim não é sua história de vida".

Logo depois fomos ao grupo de estudos realizado semanalmente no museu. Lá tivemos contato com a história de Nise e, é claro, com a teoria de Jung. O grupo é aberto para profissionais, internos e visitantes. Conheci também um antigo interno, chamado Milton Freire, que passou pelos antigos hospitais psiquiátricos e que hoje, a partir do trabalho feito na Casa das Palmeiras participa da luta antimanicomial e divulga seu livro de poesias chamado "Vida, Poesia". Deliciem-se com uma das poesias do livro:
"Que lugar é esse; Onde se desaprende a linguagem; E do qual quis falar? ; Que lugar é esse Onde se é mortificado? ; Falar, dizer A partir desse lugar, Prisão, cemitério; Campo de concentração? ; Que estranho lugar, Lugar nenhum, Onde habitei E que me habitou e que marcou para sempre? ; Por que demorei tanto a sair desses lugares em mim? ; Menino, voz de mulher Marciano,trovador. Meus personagens; Articulam-se, ;Para um dia te encontrar felicidade."


O trabalho feito por Nise da Silveira, sem dúvida, abriu as portas para que os esquizofrênicos fossem vistos de maneira dirente. O mais importante disto tudo é lembrar de que a loucura não deve ser vista como produtora apenas através de pintura, música, esculturas, poesias, etc. Sua dimensão estaria novamente limitada se estivesse ligada apenas a isso. Ela deve se expandir sobre todos os campos que consideramos pertencentes a todos nós.