terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Todas as cartas de amor...



Todas as cartas de amor são ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras, ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser ridículas.

Mas, afinal, só as criaturas que nunca

Escreveram cartas de amor é que são ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso cartas de amor ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias dessas cartas de amor é que são ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente ridículas.)

Fernando Pessoa (Álvaro de Campos, 21/10/1935)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Canção a céu aberto

Felizes mesmo são os pássaros.
Só eles sabem da leveza das penas planas sobre o mar de ventania.
Apenas eles se deitam sobre o chão que não existe.
E se guiam pelas estradas que não se vê.
Não há chegada e nem partida, apenas o caminho.
Experimentam o néctar e o gozo causado pela liberdade.
De pássaro se vive, o coração forte.
Ele sabe encontrar o mundo dentro de uma alma pequena.
Nem mesmo o medo e a maldade conseguem prender suas asas.

Felizes mesmo são os pássaros,
Pois só eles não conhecem a mentira, a falsidade, o ódio e a inveja.
E faz da planta pequena a sua casa.
Encontra no canto a salvação dos homens.
Guarda amor de baixo das cordas enferrujadas de um violão.
Canta de pés descalços sobre a terra fria e úmida.

Apenas o pássaros sobrevivem,
Porque se alimentam do silêncio das madrugadas, da onde se escuta notas baixas de uma canção.
Eles se aquecem das folhas das oliveiras nas noites de tempestade.
O céu ainda é pequeno para essas criaturas.
Os pássaros não morrem.
São eternos, porque só eles entendem das delícias e dos prazeres de se estar mais perto de Deus.



Dedico esse poema ao dono de um coração enorme. Meu orgulho e admiração. Meu amigo. Meu irmão Carlo.

Dia Urbano


Hoje, aqui do alto, tive a vontade de olhar o que se passava na janela.

Percebi nas ruas uma intromissão de barulhos estranhos, fumaça, muitos carros, gente apressada por toda parte.

Resolvi ver o céu. Ele parecia triste, meio acinzentado e as nuvens estavam tão embaralhadas quanto os carros e as pessoas nas ruas.

Em frente a minha janela havia alguém de pé olhando pelo gradiado de uma minúscula varanda.

Tinha um olhar introjetado e perplexo sobre a imagem que lhe alcançava os olhos que mal podia sentir minha existência frente a ele.

O caos da cidade nos inundou os olhos.